“Chegou em casa, foi tirando os calçados, sacou o celular do bolso e ali ficou. Sem bom dia, boa tarde ou boa noite. Reclamando com a tela, ouvindo áudios, gravando áudios, e assim foram os primeiros 15 minutos. Quando lhe perguntei sobre o dia, respondeu “sim”, como quem não ouve o que estamos falando, mas se sente na obrigação de responder. Demorou quase um minuto, para repetir ‘como foi meu dia?’ ‘meu dia foi daquele jeito’. Pronto, a noite seria pior, não estava mais com disposição nem para me interessar, muito menos para me estressar.”
Esse parágrafo ficcional, inspirado por um dos nossos amigos espirituais, é um dos elementos das relações atuais, são atravessadas por tecnologia, que podem impedir, ou facilitar as relações. Ainda, vivemos tempos em que morais que antes não se cruzavam, agora se cruzam e entram em conflito.
Pois é, esse lance da ética e da moral é bastante peculiar nos relacionamentos. Teremos um casal em que um foi criado para o trabalho para viver a vida, para expandir horizontes, o outro para ser cuidado, agradado e estimado. Combina? Não! E de novo, esse é um exemplo apenas.
Não só as diferenças culturais, os atravessamentos da tecnologia, como os sonhos e ideais também são a tônica dos relacionamentos modernos. E por moderno quero dizer contemporâneos. Pois quase sempre associamos modernidade à inovações, e não há nada de novo no cenário das relações, mas sim fora delas.
O amor é o mesmo, a posse ainda existe, e os conflitos e as resoluções deles ainda são necessárias. É preciso, ainda, amadurecer os relacionamentos, permitir que quando estamos vivendo com outra pessoa, que possamos crescer juntos. E essa é a maior dificuldade para alguns relacionamentos contemporâneos, permitir que o outro cresça.
Crescer é experimentar, é viver, é acertar e errar. Crescer é mirar o horizonte com desejos, extraindo dele as possibilidades que acreditamos que vale a pena pagar o preço.
Só que existem sim fenômenos interessantes em alguns relacionamentos contemporâneos, que talvez sempre existiram, mas que com o isolamento da pandemia se tornam mais evidentes um deles é a efemeridade do coexistir.
E o que é isso? Vivemos na superfície da relação. Não nos aprofundamos em saber quem é o outro, como é conviver com seus ranços, e com a rotina acelerada nem precisamos, mas com o excesso de exposição que o isolamento traz acabamos por ter que lidar com isso.
Ainda, existe a crença do felizes para sempre, junto da sombra do “acabou então”. Ou o que eu gosto de chamar de efeito restaurante. Que caso você não esteja sendo bem servido, levanta paga a comanda e vai embora, e alguns vivem usando esse argumento como pressão para não discutir pontos ou para não mudar...
Além disso tem muito mais coisas que a contemporaneidade, a tecnologia, o isolamento trazem para as relações. E algumas são superpositivas, outras nem tanto. E vamos equilibrando pouco a pouco, o mais importante é saber se doar e fazer trocas, o resto se ajeita.